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Eva Illouz. “Há uma luta pela alma de Israel, sua natureza e seu futuro.”

Eva Illouz. “Há uma luta pela alma de Israel, sua natureza e seu futuro.”

Reconhecida mundialmente por seus estudos sobre emoções na sociedade de consumo, a socióloga franco-israelense Eva Illouz ganhou o Prêmio Israel, a mais alta condecoração cultural do país. No entanto, no final de março, o governo de Benjamin Netanyahu se opôs à concessão do prêmio porque ela, juntamente com mais de 150 intelectuais e cientistas israelenses, assinou uma petição em 2021 solicitando que o Tribunal Penal Internacional investigasse possíveis crimes de guerra em Gaza.

De origem marroquina, Illouz defendeu o direito de Israel de se defender após os ataques do Hamas em outubro de 2023, que desencadearam a guerra em Gaza, e critica o viés anti-Israel que atribui a setores da esquerda progressista nos países ocidentais. No entanto, ela também denunciou o governo do primeiro-ministro Netanyahu, acusando-o de medidas autocráticas e de minar o Estado de Direito.

Autor de vários livros, incluindo Modernidade Explosiva (2025); A Vida Emocional do Populismo (2023) e O Fim do Amor (2020), publicados integralmente pela Katz Editores, Illouz agora leciona na prestigiosa École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris e é um colaborador regular de publicações como Haaretz , Le Monde e Die Zeit . "O sinal de um regime autoritário é designar seus próprios cidadãos como inimigos, e é isso que está acontecendo em Israel hoje", diz Illouz nesta entrevista, realizada antes de Israel lançar a Operação Leão Ascendente contra as instalações nucleares do Irã, o que levou ao aumento de ataques cruzados entre os dois países.

O senhor defendeu o direito de Israel de se defender após o ataque do Hamas, ao mesmo tempo em que criticava o governo. O que o inspirou a considerar a decisão de lhe negar o prêmio?

– Defendi o direito de Israel de existir contra aqueles que advogavam por seu desaparecimento. Defendi o direito a uma resposta à invasão de seu território e ao massacre de seus civis; invoquei seu direito de se livrar do Hamas. Obviamente, nunca defendi a destruição total de Gaza ou uma guerra sem fim. No caso que você menciona, há uma interferência política grosseira em uma decisão científica. Só quem concorda conosco é recompensado. Eles querem excluir quem está do lado oposto. O escândalo do Prêmio Israel a que estou sujeito, a brutal interferência política, é uma pedra a menos no edifício democrático que já está em processo de colapso. Sabemos que regimes autoritários atacam principalmente duas coisas: o sistema judiciário e acadêmicos, intelectuais e artistas. Sabemos que Netanyahu e seu governo vêm atacando metodicamente o sistema judiciário há vários anos. Reformas drásticas estão sendo implementadas, incluindo aquelas no processo de seleção de juízes, que aniquilam a separação de poderes. Eles também atacam as universidades: eu sou um triste exemplo disso. É uma luta pela alma de Israel, sua natureza, seu futuro.

O que essa decisão diz sobre a intervenção do atual governo no Estado, suas instituições e o funcionamento dessas instituições?

– É uma intervenção, como você diz. Eles excluem aqueles que não seguem rigorosamente suas ideias e sua linha política. Mas são cada vez mais odiados pela opinião pública. Em 8 de abril de 2025, o Ministro [da Educação] Kish participou de uma grande conferência de jovens cientistas "do futuro" em Jerusalém e foi vaiado pela multidão de jovens estudantes. A extrema direita está determinada a invadir todos os cantos do poder, mas é cada vez mais odiada. Israel vive uma grave crise moral. Desde 7 de outubro, alguns israelenses estão em um estado de hiperdefesa que os leva a ver inimigos em todos os lugares, a demonizar o outro, mesmo que sejam cidadãos árabe-israelenses. Um pouco como os americanos, que demonizaram os japoneses depois de Pearl Harbor. O sinal de um regime autoritário é designar seus próprios cidadãos como inimigos, e é isso que está acontecendo hoje. É a derrota radical do projeto sionista.

Como você vê a possibilidade de um debate democrático sobre essas questões dentro e fora de Israel?

– Os judeus da França são uma pequena comunidade que não representa nem 0,7% da população total. Portanto, a comunidade judaica francesa tende a pensar em Israel em termos de proteção: Israel nos protege e nós protegemos Israel. É assim também que grande parte da comunidade judaica americana pensa. Mas quando você é franco-israelense, como eu, quando você pertence à maioria em Israel e à minoria aqui na França, você entende que as coisas não funcionam da mesma maneira nos dois países. Em Israel, os judeus são uma maioria que exerce um poder abusivo e brutal sobre os palestinos e, cada vez mais, sobre os próprios israelenses, apesar de haver uma história e uma complexidade histórica nessa situação. Mas não se pode mais alegar isso contra um regime antidemocrático. Israel está nas mãos de ideólogos messiânicos que questionam a herança sionista socialista e democrática, que rejeitam completamente seu espírito, seus princípios e seus valores. Este é um país que mudou profundamente seu DNA, para usar uma metáfora que não gosto. Luto pela possibilidade inicialmente formulada de criar um país democrático para os judeus, mas devemos reconhecer que hoje existem forças completamente alheias a essa visão, forças que querem introduzir o poder messiânico e a ideia do Terceiro Templo na arena política. A questão é: devemos defender Israel independentemente de sua orientação e natureza? Ou nossa lealdade deve ser condicionada por um regime democrático? Esta é uma nova crise. Para muitos israelenses que fazem enormes sacrifícios, mais do que quaisquer cidadãos em sociedades democráticas, o país deixará de ser habitável se se tornar antidemocrático e autoritário.

Você levanta a questão da angústia que os democratas israelenses estão vivenciando diante do exercício autocrático, nacionalista e expansionista do poder que eles observam no atual governo.

– A clivagem se dá entre a posição comunitária do intelectual que defende uma comunidade específica e a posição universalista daqueles que, como eu, também e sobretudo, defendem os direitos humanos e os valores democráticos onde quer que estejam. Abomino o antissemitismo e defendo os direitos dos palestinos. Não vejo contradição nisso. Mas muitos a vivenciam como uma clivagem. Acredito que seja a clivagem que muitos árabes muçulmanos na França vivenciam quando veem seu país de origem se comportando mal, mas têm medo de dizê-lo publicamente porque isso colocaria em questão seu apego a uma comunidade que já se sente rejeitada. É o dilema dos intelectuais que vivem entre várias comunidades de pertencimento, que são minorias em uma democracia e que se identificam por afeição e lealdade com um país que não pratica os valores e as instituições de que desfrutam. Alguns preferem a lealdade à comunidade. Outros, aos valores universais. É a mesma questão que se coloca para judeus e muçulmanos. Um muçulmano francês que se sente discriminado na França não tem desejo de ouvir que o regime argelino é autoritário. As comunidades judaicas em todo o mundo e o Estado de Israel vivem em um estado de extrema-defensividade. Temos sido vítimas de antissemitismo massivo desde 7 de outubro, daí um certo afastamento comunitário natural. Mas grande parte da comunidade judaica francesa permanece cega aos abusos do governo israelense. Ela está cercada, de um lado, pela extrema direita e, de outro, pela extrema esquerda.

O que é chamado de "campo liberal" em Israel parece ter sido abandonado pela esquerda europeia. Quais são as consequências ou efeitos políticos disso?

– Claramente: o governo israelense e certos membros da comunidade judaica acreditam que os inimigos de seus inimigos são seus amigos, enquanto, na realidade, existem três grupos diferentes de inimigos: a Irmandade Muçulmana/Irã; a extrema esquerda; a extrema direita. Aliar-se à extrema direita não resolverá os problemas de israelenses ou judeus. É um ato de cegueira que decorre da ansiedade. Devemos buscar aliados em outros lugares. Entre árabes muçulmanos moderados e democráticos, por exemplo. É aí que devemos construir nossas alianças. Frantz Fanon disse, dirigindo-se à comunidade negra: "Quando ouvirem alguém insultar um judeu, prestem atenção; eles estão falando de vocês". Eu gostaria de dizer aos judeus: "Quando a extrema direita fala sobre muçulmanos, prestem atenção; eles estão falando de vocês".

Traduzido do francês por Ezequiel Burstein; entrevista publicada em Tenoua.org

De acordo com
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